13/05/2020 233 dias (relato do papai)
O pai vai passar a noite com ele. Que estranho!
Se as pessoas do hospital andassem com balõezinhos de diálogo de história em quadrinhos acima de suas cabeças seria isso que estaria escrito em todas. Em algumas garanto que estaria escrito: "que mãe desnaturada", "putz, lá vem o pai fazer besteira".

Foram momentos tragicômicos. O Pai entra em cena, a mãe sai. 20h15 o Theo começa a chorar desesperado. Pode ser qualquer coisa, desde desconforto pelo xixi na fralda até uma coceira em um lugar inalcançável. Se para nós já é desesperador imagina para quem ainda não sabe se coçar.
Em meio a gritaria a mãe do pacientezinho vizinho diz: "ele sempre mamava nesse horário". Eu trouxe uma mamadeira. E sei que mamadeira não tem apelo de seio, mas convivo intensamente com o meu Theo dia e noite o suficiente para saber que não era esse o problema.
Entra a enfermeira e diz: pai, ele tá sentindo falta do peito. Eu disse um sim protocolar pra ela. E falei só para mim: se ele quer peito, ele vai ter peito. A mãe tem sua arma secreta, o pai também tem. Botei o Theo de barriga colada no meu estômago e o ouvido no meu peito.

O som grave da minha voz balbuceando a marcha imperial de Star Wars acompanha todos os dias do Theo, desde o primeiro colo que ele recebeu na vida na UTI neonatal. No compasso da música, um balancinho pra cima e pra baixo (só que quase na horizontal. Em 40 segundos um suspiro de alívio, na sequência a respiração sincronizada. Não demora mais um minuto o alívio dos gases que o incomodava de verdade. Instinto de pai.
Minutos depois a enfermeira volta e pergunta como ele parou. Eu disse: dei o peito, e rimos.
Assim foi também no dia seguinte também. Ficaram todos olhando/fiscalizando (por segurança) o pai dar o banho. "Faltou o pescoço pai". Fingi que eu tinha esquecido mesmo e cumpri sua sugestão.
Enquanto terminada de vesti-lo do banho tive que ouvir da nutricionista: "pai, preciso fazer umas perguntas, a mãe volta hoje". "Sim", respondi, "mas posso tentar responder também".
Recebi um olhar de descrédito, mas ela prosseguiu:"Vocês receberam o diagnóstico do Theo em que momento?", "No morfológico da vigésima segunda semana", respondi sem pestanejar. Se ela tivesse um daqueles balõezinhos estaria escrito: "caramba, um pai que sabe o que é morfológico".
Assim foram uma sequência de perguntas respondidas com clareza e segurança. Terminei perguntando se passei no teste mas com a certeza de que ela vai revalidar todas as perguntas com a mãe.
Ainda há muito machismo feminino.
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