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  • Foto do escritorSuelen Weiss

28 - A remoção

17/05/2020 - 236 dias


Acordei às 5h da manhã, com minha cunhada me chamando na sala, onde tinha capotado no sofá. “Levanta, o transporte vai ser mais cedo, às 7:30, tem que assinar digitalmente o contrato”. “Faz uma mala com algumas roupas, vocês vão passar um tempo lá, tá frio, leva casaco”.


Levantei com tantas demandas que entrei no modo trator novamente. Tomei banho, botei documentos e exames do theo na bolsa, botei umas roupas na mala, botei a mala no carro e fui para o hospital. A família de Pomerode queria vir, avisei da remoção para que não viessem a toa. Cheguei na recepção do hospital e avisei que vim para acompanhar a remoção do paciente, para ouvir o guarda falar de novo que a troca de acompanhante da UTI é só as 10h da manhã. Já tinha ouvido tanta grosseirazinhas que explodi. “Faz as contas, o transporte sai as 7:30, não adianta entrar às 10h né? Pega o telefone que está na tua frente e liga pra UTI”. Ele ligou. Obviamente eu podia subir.

A empresa do transporte avisou que o voo atrasou por causa de um nevoeiro intenso em São Paulo. Cada hora que passava me parecia que o Theo tinha uma hora a menos de chance de viver. A manhã se arrastou.


A equipe do transporte chegou às 10:30. Ficamos da sala de espera aguardando tanto até achar que já tinham saído e esquecido de me levar junto. Mas meio dia me chamaram. Ele estava numa incubadora, numa maca repleta de equipamentos pesados.


O médico se apresentou para mim. “É grave, mas vamos conseguir”. Entrei no banco da frente da ambulância, mal tive coragem de olhar pra trás. O Theo não parecia o meu Theo. Parecia um boneco de plástico, inchado, pálido, imóvel. Os equipamentos apitavam a todo instante. “Liga a sirene, mas não chacoalha a ambulância de jeito nenhum”. Aí mesmo que eu não respirei mais direito.


Chegamos no aeroporto, área de carga. O guardinha pede pra esperar até a escolta chegar no portão onde estamos. E nada da escolta. O médico pediu pra ligar a sirene para alertar o guarda novamente. E nada da escolta. Acho que se a escolta estivesse no centro da cidade teria chegado mais cedo. O médico apertou o motorista: “avisa o guarda que o paciente está grave, e se eu perder um bebê de sete meses aqui é ele que eu vou responsabilizar”. O motorista foi. Aparentemente só aí o guarda comunicou a escolta da urgência, porque apareceram a toda velocidade.

Tirar todo o equipamento da ambulância para transferir para o avião foi complexo. É um tal de equipamento apitando, transfere o oxigênio da ambulância para o torpedo, compensa no ambu…. não parecia de jeito nenhum que tudo aquilo caberia naquele aviãozinho. Eu continuava no mantra Vai dar tempo, Vai dar tempo, Vai dar tempo.


Tentei não ficar no caminho, ajudei a puxar a maca para botar todos os equipamentos no avião. Sentei no fundo, junto com as bagagens. Não me sentia mais que a bagagem. Vai dar tempo, Vai dar tempo. Avisei a médica da decolagem, ela avisou a equipe do hospital.

Segurei a respiração tanto tempo durante aquele voo. O dia estava lindo e isso parecia um desperdício. O médico me avisou que ele estava compensando as quedas de saturação com o ambu, que provavelmente as quedas tinham relação com a diferença de pressão naquela altitude. Mantive meu mantra, vai dar tempo, vai dar tempo, vai dar tempo. São Paulo não chegava nunca.


Quando pousamos a ambulância não estava lá. Faz sinal pra chamarem a ambulância. A ambulância não vem. O piloto do avião foi a pé lá chamar o pessoal da ambulância com mais “convicção”.


Quando chegaram foi toda aquela manobra para tirar a maca com incubadora e equipamentos do avião, as mesmas dificuldades de passar do torpedo para o oxigênio da ambulância que não rosqueia nas primeiras três tentativas.


A porta não fechava porque a maca não travava na ambulância, acho que estava pesada demais. Levanta um pouco e dá um tranco. “Não balança a maca, que é grave”. Que admiração que tenho por esse médico.


Quando tudo estava pronto o motorista olha pra mim e pergunta “pra que hospital ele vai?”. Tá brincando comigo que não sabe isso, né? Ele põe o hospital no endereço do hospital no GPS. O médico orienta para ligar a sirene e pegar o meio das pistas, com menos buracos, e não balançar de jeito nenhum. Foquei no mantra. Não dava pra ver o Theo lá no fundo da ambulância e eu, para falar a verdade, tinha medo de olhar.



Quando chegamos no hospital eu respirei de novo. A equipe da UTI já estava avisada e preparada. O guarda não quis que entrássemos por que ele era responsável só pelo estacionamento e o guarda do local tinha “dado uma saidinha”. Estava no banheiro ou sei lá. O médico da remoção não se permitiu ser proibido. “Você vai comigo sim e ele nos busca depois, é grave e ele tem que ir agora”. Ele falava e enfrentava tudo que me afrontava e me paralisava ao mesmo tempo.


Eu tremia tanto quando finalmente chegamos na UTI. A equipe foi toda tratar de estabilizá-lo e prepará-lo para poder começar a hemodiálise. Uma enfermeira me deu um café pra me acalmar, a médica me orientou de onde eu poderia ir comer algo enquanto eles terminavam os procedimentos, já que eu não tinha nem almoçado. Acho que se chama humanidade.


Nem acreditei que chegamos. Mas chegamos, deu tempo.


Horas depois da colocação do cateter temporário ele começou a hemodiálise numa máquina especial, a Prisma.


Começou no começo da madrugada e foi acompanhado de perto pela nefrologista, pelo intensivista, pela enfermeira e pelo técnico da hemodiálise. Assim ficou durante muito tempo, 24h por dia nos primeiros dias, depois 18h por dia, depois 12h. Até secar o suficiente para poder extubar.


É um exercício de paciência, um passo de cada vez, um dia de cada vez.


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