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  • Foto do escritorCristiano Chaussard

27 - Em fluxo

Sou um ser muito mais reflexivo que executivo. Gosto de ser assim e acho que há uma profundidade necessária a se contribuir para o mundo por ser assim (seja como conselheiro, estrategista, planejador, pensador, professor ou artista), mas definitivamente, sou cada vez menos executivo, e isso às vezes me prejudica. Por isso, na vida, tento sempre colocar-me em situação em que não preciso ser vítima de minha executividade. E tenho conseguido, na empresa, na universidade, na carreira artística e na família.

Não foi o caso desta noite, ocasião em que o Theo havia saído de uma cirurgia de sucesso duvidoso e horas depois de ouvir, da pessoa que havia me dado dias atrás, as opções científicas possíveis, que não tínhamos mais opções na ciência, que esgotamos o que podia ser feito e agora era com o Theo.


Minha confiança na nefropediatra do Theo é total, mas não podia aceitar sem indignação e com conformismo. “Deve haver algo que possamos fazer. Não podemos adiantar um transplante de emergência? Pode ser na espanha?” Disse eu, em plena época de pandemia, com as fronteiras mundiais fechadas e sem vôos disponíveis.

Nada era viável com o Theo piorando e sem a possibilidade de fazer diálise em um bebê tão pequeno. Havíamos falado, na consulta em que busquei recursos científicos com ela, que no Rio Grande do Sul havia um centro especializado que realizava transplante em crianças com menos de 15kg. O Theo estava com quase 7.


Mas essa possibilidade não era viável porque ele começara a reter muito líquido e os parâmetros de toxinas quase todos se complicaram depois da cirurgia. O rim parecia ter começado a falir, mas podíamos ainda tentar mais alguma alternativa médica nas próximas horas que, de qualquer forma, dependeria da resposta do Theo acima de tudo.


Eu estava arrasado, na recepção do hospital quando chegou a nefropediatra contando de uma possibilidade que não havia revelado antes. É compreensível que não se crie expectativa nos pais antes de ter certeza da possibilidade, mas ao que parece ela já havia entrado em contato com o Hospital Samaritano Higienópolis, um centro especializadíssimo, responsável por mais de 50% dos transplantes renais pediátricos de baixíssima faixa etária do Brasil e que é o único lugar na américa latina que dialisa bebês.


Ela nos pediu documentos de plano de saúde para tentar uma internação na UTI do SAMARITANO e confirmou com a colega nefrologista chefe daquele hospital que haveria vaga para a transferência do Theo. “Se o Theo não reagir até de manhã podemos tentar o Samaritano”, disse ela, aparentemente cuidando para não causar estrago nas expectativas.


Entrei em fluxo, liguei para o hospital e fiquei impressionado que a primeira pessoa a atender o telefone já sabia o meu nome, o nome do Theo, e já disse que estava nos esperando.

Liguei para o plano de saúde, aprovei a remoção, mas não consegui que eles cobrissem o transporte. Pesquisa vem, pesquisa vai, descobri que a única forma possível no estado do Theo, que a essa hora já era paciente grave, seria alugar um avião UTI móvel.


Nem imaginava quanto poderia custar, mas isso não interessava, pensei em todas as soluções financeiras, desde entregar meu carro em garantia de qualquer um que pudesse ajudar até vender minha empresa em caráter de urgência urgentíssima.


O fato era que eu precisava resolver isso numa madrugada de um sábado para domingo para embarcar logo na próxima manhã. Isso porque à medida em que eu falava com plano de saúde, fornecedor de UTI Móvel e prima, tia e primo para ajudar com um cartão de crédito que tivesse limite para contratar o avião, a cada segundo o Theo piorava e a vida escorria pelos dedos.


Hoje analisando, não sei como um ser reflexivo e nada executivo como eu conseguiu equilibrar o emocional para entrar em fluxo e resolver tudo isso de forma tão direta e eficaz. O fato é que paguei o avião no meio da madrugada de um fim de semana e às 3h30 o ele estava agendado para sair do aeroporto de Congonhas (fechado para vôos comerciais regulares por causa da COVID-19) rumo a Florianópolis.


Uma nova esperança se abria ali e uma lição como essa nos fez crescer como seres humanos.

Sempre comentei com a Suelen, e compartilhamos o mesmo sentimento, de que nunca me senti um adulto, apesar de ser professor de pós-graduação, empresário, presidente de associação e artista plástico. Achava que depois de ter um filho isso mudaria. Não mudou. Este episódio, no entanto debutou-me para a adultecência psicológica. E passei a dizer a todos que não se trata de coragem, se trata de fazer o que é necessário, sem parar para pensar. Não somos nós os corajosos, a situação nos formou assim. O Theo é a nossa fogueira de transformação.


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