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  • Foto do escritorSuelen Weiss

5. O Parto

Algumas horas se passaram, a noite caiu e fui dormir. Pouquíssimo tempo depois de adormecer, lá pela 1:30 da manhã, acordei com um líquido escorrendo pela perna. Levantei rápido e vi a calcinha bem molhada. Será que fiz xixi? Não. A bolsa! Só lembro de pensar “agora não, agora não, por favor”, não estava nem um pouquinho preparada para me despedir do meu filho. Avisei meu marido que nem tinha ido dormir ainda: Cris, tá descansado? Acho que minha bolsa estourou.

Avisamos a doula. Ligamos para o obstetra que pediu para avaliar na maternidade se realmente era a bolsa (com pouco líquido não seria uma cachoeira de água). Como sabíamos que o trabalho de parto pode ser algo demorado, trocamos de roupa com calma, terminamos de botar no carro todos os itens que faltavam para a maternidade, alimentamos os gatos, guardamos as comidas e saímos cerca de trinta minutos depois, bastante tranquilos.

Na primeira curva que o carro fez comecei a sentir dor. Fiquei na dúvida se era mesmo uma contração, porque não era tão ruim assim. Dali a alguns minutos mais uma, bem mais forte. Definitivamente eram contrações. Mais um pouco e mais uma. Meu marido que dirigia e controlava o tempo falou que as contrações já estavam de 5 em 5 minutos. Nossa casa fica a 25km da maternidade e não havia trânsito de madrugada. Ainda bem. Para mim o trajeto parecia interminável já que as contrações estavam cada vez mais frequentes e bem mais violentas. Quando chegamos no viaduto de acesso à ponte entre ilha e continente senti a pressão pélvica aumentar, a dor aumentar, o útero empurrava sem controle e sem parar. Mesmo sem experiência nenhuma dava pra saber que tudo estava indo rápido demais. Chegando no bairro da maternidade a dor ao chacoalhar nos paralelepípedos aumentou ainda mais.

A obstetra de plantão tinha acabado de iniciar outra cesárea. Na minha avaliação a enfermeira fez o toque e disse: Olha, eu não sinto a bolsa, sinto outra coisa. Eu expliquei que ele estava pélvico e ela complementou: É, definitivamente eu estou sentindo o pé dele pra fora do colo do útero. Eu já estava de 4 para 5 de dilatação. Estava tudo correndo rápido demais mesmo. Coloquei a roupa para o centro cirúrgico. Em poucos minutos chegaram o obstetra, a doula e a fotógrafa.


Descemos para a área cirúrgica, mas tivemos que aguardar alguns minutos para a preparação da sala de cirurgia. Meu marido voltou para o carro para buscar o kit de coleta de sangue para extração de DNA e acabou se perdendo na volta, não achava mais o celular, o carregador e os próprios sapatos, e eu só queria que ele estivesse logo ali pra me segurar já que intervalo entre contrações estava bem curto.




A doula massageava minhas costas e me tranquilizava. A dor parecia algo explodindo e me rasgando por dentro e ao mesmo tempo os hormônios do parto inundaram meu corpo como uma droga alucinógena bem potente que deixava tudo tranquilo, feliz e estranhamente colorido. Partolândia existe e tem uma química forte.


Entramos no centro cirúrgico onde felizmente a doula pode ficar o tempo todo comigo, durante a preparação e a anestesia, enquanto meu marido esperava no corredor. A preparação é um momento de extrema ansiedade para a gestante, mas a equipe médica não tem tempo de informar ou tranquilizar a mãe (ou tem outras prioridades). A doula foi muito importante dando apoio intensivo e focado nessa minha ansiedade.


A preparação foi rápida e a anestesia trouxe um alívio grande. E eu estava querendo muito aquela anestesia naquele momento para aliviar a dor, mas foi uma pena sair daquele estado de transe químico partolândico. Tudo pronto: chega meu marido, nosso obstetra, a obstetra plantonista, a pediatra. Chega até uma enfermeira que achou o celular do marido perdido no vestiário feminino (ele estava perdido mesmo).





Minhas lágrimas escorriam pelo meu rosto de ansiedade e medo. Todo parto é sempre uma separação. A mãe quer que o bebê nasça mas inconscientemente quer continuar a gestação. No nosso caso isso foi mais intenso, pois enquanto estava na minha barriga, o Theo tinha sangue filtrado e oxigênio fresquinho no cordão, aqui fora estaria por conta própria. E a gente sabia que ele tinha poucas chances de conseguir… caprichos e indelicadezas da natureza. Por isso tudo sei que antes de parir um filho, pari a mãe que sou.

Conhecendo toda a nossa situação, a equipe toda foi muito respeitosa e não lembro de ter ouvido conversas paralelas, todos estavam atentos e respeitosos. Somos imensamente gratos por esse respeito e considero que essa postura (da qual só me dei conta dias depois) foi um dos aspectos mais importantes da humanização desse parto. Conforme o relato do obstetra, na hora da cesárea um dos pés do Theo já estava na vagina, quadril encaixado no colo do útero (que não estava totalmente dilatado) e a outra perna esticada para cima junto da cabeça. Foi necessário um bocado de força dos obstetras para tirá-lo daquela posição - posteriormente foi realizado inclusive raio-x para ter certeza que a perna não havia quebrado na manobra. Às 3:44 da manhã a doula avisou que ele já estava nascendo e tudo ficou em câmera lenta.


Ele chorou. E se ele chorava queria dizer que seu pulmão poderia funcionar. Foi o nhéh mais emocionante que já ouvi. Para completar alguém anunciou que ele fez xixi assim que o tiraram da barriga. Aí eu já estava incrédula com o tamanho da nossa sorte.


Não pude viver um dos momentos que mais queria de um parto: o momento de pegá-lo no colo logo depois de nascer. A equipe de neonatologia precisava atuar imediatamente e assim foi feito, com grande profissionalismo. Também não houve a oportunidade de esperar o cordão parar de pulsar - como amplamente recomendado nos partos sem intercorrências - ou de deixar o pai cortá-lo, mas inclusive para ele isso era um pouco secundário naquele momento. Primeiro a saúde do bebê. O pai pôde acompanhar os primeiros cuidados médicos do bebê enquanto os obstetras terminavam a cirurgia. Vários equipamentos começaram a apitar ao mesmo tempo e ouvi a voz bem calma da doula explicando que os alarmes estavam tocando apenas porque o Theo não estava ligado a todos os equipamentos do leito da UTI. Eu teria entrado em um pânico desnecessário se ela não estivesse ali ao meu lado.

Minutos depois a pediatra veio me apresentá-lo antes de levá-lo à UTI Neonatal. Ele era tão pequeno, um ser humano tão indefeso, me apaixonei por ele num nível surreal na primeira oportunidade de sentir seu cheiro e a maciez da sua pele. Beijei-o na bochecha com todo amor e medo que sentia. O Theo era gordinho, se mexia em movimentos suaves. Como pude fazer um novo ser humano? Um ser humano completinho e independente, não uma parte de mim somente. Fiquei um pouco acuada com essa constatação.

O Theo foi levado para a UTI Neonatal para ser entubado, mas chorou e esperneou tanto que não conseguiram e ele ficou as primeiras horas de vida apenas com o suporte de ventilação do CPAP. Fiquei distante dele por 7 horas esperando terminar o efeito da anestesia, mas para mim pareceu muito mais que isso. Nesse período meu marido ia vê-lo na Neo, fez o primeiro contato pele à pele, cantava pra ele e contrabandeava fotos para mim, como ele mesmo dizia.

E assim foi nosso parto, diferente dos cenários que eu tinha imaginado, mas juntando o lado bom de vários aspectos: via de parto alta com indicação clínica clara, a mais segura para a situação de saúde do bebê, com a experiência de parto normal que vai desde a surpresa da data até as contrações e os hormônios envolvidos. Não poderia ter sido melhor.






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