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  • Foto do escritorCristiano Chaussard

16 - Relato de um pai para um filho

Faz 214 dias que estamos contigo. Sim, nós contamos cada dia. Isso porque valorizamos o privilégio de teres nascido, vencido e lutado. E de estares lutando até hoje.

Em 2008 teu avô nos deixou e eu escrevi algo para ele. Foi um relato do filho para o pai. Você pode ler agora para conhecer o grande homem que foi o teu avô.

Agora escrevo o meu relato para ti, para que entendas como te tornastes o grande homem que já és.


Teus exames nunca estiveram melhores, creatinina, sódio, potássio, tudo aquilo que sabes que monitoramos para saber que estás bem ou para saber no que devemos agir.


Tua pressão deu uma aumentadinha na última semana e teu crescimento está, pela primeira vez, abaixo da curva.

Já é motivo para um dia eu achar que estás com falta de ar por causa da respiração dificultada quando estás sentado (rins pressionando o pulmão) ou suspeitar que estás com a Covid-19.


Anteontem me bateu um desespero. Já havia 3 dias que tua febre não passava. Eu já sabia que a vacina que tu havias tomado (a Hexavalente) causava essas reações, mas mais que 48 horas já era além do comum. Podia ser por um monte de outras razões: o dente que estava nascendo, um resfriado (muito comum no outono), ou simplesmente uma reação a qualquer um dos novos remédios. Mas não. Não bastava nossa inexperiência como pais para nos confundir, tínhamos ainda que lidar com um rim crescendo, com uma hidrocele gigante e ainda com uma pandemia.

Há alguns dias (27/01) teu primo e melhor amigo, Antônio, nasceu. Por causa deste momento de isolamento social, vocês ainda não puderam brincar juntos. Sim meu filho, você nasceu dois meses e meio antes do surgimento de uma nova doença infecciosa que se espalhou pelo mundo rapidamente e fez tudo parar. As escolas suspenderam as aulas, o transporte público deixou de funcionar, o comércio todo fechou, as indústrias pararam de fabricar e ninguém saia de casa.


Esse é aquele tipo de doença que todos pegam ou pagarão, alguns morrem e todos os sobreviventes se tornam imunes, mas o maior risco de morte estava concentrado no grupo de pessoas com pressão alta, doença cardíaca, diabéticos e doentes renais. Isso te coloca mais uma vez em risco de vida.


Com isso, nós três nos fechamos totalmente em casa, saindo somente para rotinas médicas. Nem tuas tias, tio e primos podiam chegar perto de nós. Não sei por quanto tempo isso ainda vai ser assim (estamos esperando uma vacina ser desenvolvida, surgiu nesta semana uma na Alemanha e outra na Inglaterra), mas já estamos há pelo menos dois meses em isolamento.


Neste momento, conseguimos compreender como somos privilegiados por, além de te ter em nossa família, ter estabilidade financeira, alguma reserva de investimentos que nos dão tranquilidade por um tempo, carreiras bem sucedidas, uma casa muito boa em um sítio que nos dá espaço para nos sentirmos muito bem, mesmo em confinamento.


Todos os dias você pede para passear no sítio. Teu lugar preferido é uma espreguiçadeira de balanço que fica embaixo de uma frondosa mangueira. Você fica sorridente ao olhar para cima vendo a árvore e nela os saguis que se alimentam das flores da mangueira.

Esse é um momento feliz e tenso para nós. É contraditório sim, mas ao mesmo tempo que percebemos como tudo está tão bem, tudo também está ameaçado.


Sentimos que o mundo pode mudar com essa parada que deu. Sentimos que a doença pode nos alcançar. Sentimos que ainda vai ficar pior. Mas sentimos que estamos te cuidando muito bem e que estás muito feliz.


É angustiante ver tua febre, tua falta de apetite ou tua respiração contida e não saber se é normal de qualquer bebê, se é por causa do tamanho do rim, se é COVID-19 ou se não é nada.


Seguimos nosso dia-a-dia, nos permitindo sentir tudo, curtindo cada felicidade e enfrentando cada angústia e isso foi uma incrível surpresa. Nós três estamos amadurecendo.



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