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  • Foto do escritorSuelen Weiss

6. UTI Neonatal

Nós nos preparamos no último mês da gestação para o fato de que se o Theo sobrevivesse ao parto ele ficaria na UTI para cuidados médicos necessários, exames, medicação, diálise, etc. Foi importante essa consciência pois gerenciamento de expectativa é tudo.


O Theo ficou internado numa unidade muito bem equipada, cercada por uma equipe muito amorosa de médicos e enfermeiras. A internação do recém-nascido é baseada em ciclos bem rígidos de 3 horas e não é exagero dizer que tudo funciona como um reloginho.


Assim que passou o efeito da anestesia pude sentar, me alimentar e tomar banho. Fiz tudo isso correndo para ir logo abraçar meu bebê. Dar colo foi excepcional e aliviava muito as dores do pós-cirúrgico. Ele era muito lindo, não tinha as feições típicas da sequência de Potter que estávamos esperando. Apesar das tentativas feitas com a ajuda bem atenciosa das enfermeiras, o Theo ainda não conseguia sugar no peito no primeiro dia, então a alimentação foi feita por sonda.



Nos primeiros dias de colostro fizemos a ordenha manual, que no meu caso era dolorida e demorada. Não conseguia extrair sozinha, mas meu marido tinha manha. Também não conseguia extrair o suficiente para todas as mamadas da madrugada, então a alimentação dele era complementada com fórmula.

Aliás, a recomendação que recebemos da equipe da Neo foi descansar e dormir durante a noite. Assim os pais estariam descansados durante o dia. Mas a primeira madrugada longe dele foi cruel para a mãe recém parida. Acordei angustiada com uma culpa voraz por não estar presente para todas as necessidades dele. Ao perceber meu marido sugeriu que eu descesse para encontrar o Theo e depois retornasse para continuar a dormir. Quando eu cheguei lá ele já estava dormindo, de banho tomado, fralda limpa, tinha acabado de mamar e estava muito tranquilo. Percebi naquele momento que ser mãe não se resume à atender às necessidades fisiológicas, que eu não era a única pessoa capaz de cuidar dele e que delegar os cuidados básicos seria o melhor dos cenários tanto para mim quanto para ele naquele momento. Ele é, afinal, um ser humano como eu e não minha posse.


A amamentação foi um pouco complexa no começo pois ele ainda não sugava o peito. A equipe de enfermagem e a fonoaudióloga auxiliaram muito para que ele aprendesse a pega corretamente. O ambiente, por outro lado, é hostil, com equipamentos apitando todo o tempo, outros bebês chorando, sem espaço para que os pais sentem ao lado das mães, sempre quente, com meia dúzia de mães seminuas amamentando ao mesmo tempo sob o olhar das enfermeiras. Quem consegue amamentar assim na UTI amamenta em qualquer lugar do mundo, sob qualquer pressão. Só na noite do dia seguinte é que consegui amamentar de verdade pela primeira vez e foi uma sensação dos céus. É até difícil definir de verdade se é a mãe que alimenta o bebê de leite ou se é o bebê que alimenta a mãe de amor incondicional e visceral.


Eu tive alta depois de 48 horas depois do parto. Guardei minhas coisas e fomos para casa providenciar os próximos passos. Quando chegamos em casa pendurei o nome dele na porta do seu quarto e chorei muito de alívio. Nosso filho estava vivo. Muito vivo. Milagrosamente vivo.

Após a alta a logística ficou um pouco mais difícil, já que no hospital não há espaço apropriado para o descanso dos pais ou para a ordenha. Ficamos hospedados na casa de parentes próximo à maternidade para diminuir os deslocamentos durante o dia.


Os exames de sangue e urina do Theo estavam cada dia mais estáveis. A diurese era satisfatória todos os dias e por isso ele não precisou de nenhum dia de diálise durante a internação. No terceiro dia puderam tirar o acesso venoso. Apenas a pressão arterial seguia muito alta, sem resposta ao remédio. Todos os dados foram acompanhados a distância pela nefropediatra que coordenou o tratamento.

A apojadura só aconteceu no dia 4 trazendo o desconforto usual da fase mas aumentando bastante a produção de leite tão necessária para garantir leite materno na "marmita" para as mamadas da madrugada. Como ele tomava o complemento de alimentação pela sonda, se não houvesse leite materno eles davam fórmula, mas a fórmula deixava o Theo extremamente estufado e sonolento. Por diversas vezes sequer conseguimos acordá-lo no horário da amamentação, mesmo com algodão molhado com água gelada no pescoço. Isso só postergou a retirada da sonda.


No quinto dia de UTI aumentaram a dose do remédio da pressão e alugamos uma bomba elétrica para a ordenha. Fomos entrando no ritmo alucinante da UTI.

Só no sétimo dia migramos para livre demanda sem a sonda. Isso fez com que ele ficasse mais desperto e engrenasse definitivamente na amamentação. A pressão começou ter médias um pouco mais baixas.

Na nona manhã de internação, durante a amamentação, a pediatra veio nos perguntar se estávamos prontos pra ir pra casa. Seria ótimo, eu ri. "Verdade, o Theo tá de alta". Nem acreditei, flutuei, chorei. O Theo mamava tranquilo, feliz também. Seu acompanhamento passaria a ser ambulatorial e seu tratamento poderia ser feito em casa.


Ali começava o resto das nossas vidas. Começava a "vida normal" para o Theo ao sair do hospital.

Nossa pequena família estava pronta para todos os desafios que viriam a partir dali. Não tem sido poucos nem fáceis esses desafios - lidamos com complicações dos rins, fígado, coração, cérebro - mas juntos somos mais fortes e pelo Theo tudo vale a pena.



Respeito muito a experiência de luto que nos atingiu. Várias vezes que amamento dedico mentalmente aquele momento às mães que não tiveram esta oportunidade. Se pudesse eu pegaria cada uma delas no colo e as embalaria até dormir, mas sei que nem isso diminuiria.



Por fim, ao nosso filho querido Theo, dedico nossa música especial:

Drão!

O amor da gente

É como um grão

Uma semente de ilusão

Tem que morrer pra germinar

Plantar nalgum lugar

Ressuscitar no chão

Nossa semeadura

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Nossa caminhadura

Dura caminhada

Pela noite escura...

Drão!

Não pense na separação

Não despedace o coração

O verdadeiro amor é vão

Estende-se infinito

Imenso monolito

Nossa arquitetura

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Nossa caminhadura

Cama de tatame

Pela vida afora

Drão!

Os meninos são todos sãos

Os pecados são todos meus

Deus sabe a minha confissão

Não há o que perdoar

Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Se o amor é como um grão

Morre, nasce trigo

Vive, morre pão

Drão!

Drão!

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